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A hora de Clarice

06 de dezembro de 2016

“Na literatura brasileira não tem ninguém que fale como ela fala”. A afirmação é do poeta Eucanaã Ferraz, consultor de literatura do Instituto Moreira Salles, e ela é Clarice Lispector, dona de uma obra que conquistou admiradores por sua capacidade de dançar, com sutileza e clareza, sobre áreas de sombra, como costumam ser os turbilhões psíquicos e afetivos do ser humano. “O leitor reconhece isso”, diz Eucanaã, que desde 2011 organiza no IMS o evento gratuito Hora de Clarice, criado para celebrar a grandeza da autora que nasceu em 10 de dezembro de 1920, na Ucrânia, e morreu em 9 de dezembro de 1977, no Rio.

Em 2016, Hora de Clarice, que acontecerá no próprio dia 10, às 16h30, reunirá no IMS-RJ as tradutoras Katrina Dodson e Paloma Vidal para falar das particularidades de se verter para outras línguas uma escrita tão delicada e intensa. Às 18h30, as atrizes Georgiana Góes, Gisele Fróes e Raquel Iantas, sob a direção de Bruno Lara Resende, farão leitura de cartas da escritora enviadas às suas irmãs Tania e Elisa. Para marcar a data, o site da escritora no IMS, que reúne sua mais completa biografia e bibliografia, está sendo totalmente renovado e está previsto para entrar no ar em breve.

 

Carta de Clarice Lispector ás irmãs Tânia e Elisa

 

“Clarice dobrou a língua portuguesa, que não havia chegado ainda nesse nível de experimentação, de sutileza. Ela faz no século XX o que Machado de Assis fez no século XIX”, resume Eucanaã. “Com Machado a língua deu um salto. Depois Clarice dá outro. Ainda não tinha sido gerada aquele tipo de gramática capaz de dar conta de uma área de sombra. Guimarães Rosa faz todo um exercício de recriação da língua para poder dizer algo. Mas Clarice faz com que a língua diga o que ainda não disse sem fugir de um vocabulário, de um léxico que já está na própria língua”.

Desde que chegou ao IMS, em 2004, o acervo da autora de Perto do coração selvagemA maçã no escuroA paixão segundo G.H., Laços de família, entre tantos outros livros, é o mais procurado por estudantes e pesquisadores. E as edições de Hora de Clarice são cada vez mais concorridas – o evento, aliás, está sendo celebrado em outros países como Argentina e Estados Unidos. “É uma data independente já”, conta Elizama Almeida, assistente cultural da coordenação de literatura do IMS. “Temos um acervo importante, com originais e manuscritos como o de A hora da estrela. Nosso objetivo é homenagear a memória da autora, falar da obra, buscar novos leitores”.

Nem sempre, porém, Clarice mereceu toda atenção dos leitores. Eucanaã lembra que, no início dos anos 1980, ela era uma escritora de estudantes de Letras. Ainda assim, de alguns poucos estudantes de Letras, já que o rótulo de difícil, complicada, mantinha a obra distante do grande público. Com a adaptação de A hora da estrela para o cinema, em 1985, por Suzana Amaral, e a reedição de seus livros, ela começou a ser redescoberta. Nesse sentido, outro papel fundamental foi o da escritora e crítica francesa Hélène Cixous, que botou em circulação na França o nome e a obra da brasileira, dando a ela relevância, peso e universalidade. Algo que o americano Benjamin Moser também faria tempos depois, em língua inglesa: em 2009 ele publicou uma alentada biografia da escritora e, em 2015, reuniu pela primeira vez numa única edição todos os contos dela, The Complete Stories, publicado originalmente nos Estados Unidos e incluído na lista de melhores livros do New York Times. No Brasil, o livro saiu em 2016 sob o título Todos os contos pela Rocco, editora que publica toda a obra da escritora.

 

As tradutoras Katrina Dodson e Paloma Vidal

 

No dia 10, o público poderá saber mais sobre o trabalho de tradução dos livros de Clarice. A professora e escritora Katrina Dodson foi a responsável pela versão em inglês do volume de contos, um trabalho que venceu o Pen Translation Prize 2016. Paloma Vidal, escritora, crítica e professora de Teoria Literária traduziu e fez o prefácio para Un soplo de vida (Um sopro de vida) e La legión extranjera (A legião estrangeira), publicados pela editora argentina Corregidor em 2010 e 2011. Além da conversa com as tradutoras e da leitura das cartas, A hora de Clarice de 2016 também terá a atividade educativa Este não é um livro – Porque não é assim que se escreve, com leitura de trechos de Água viva e produção de textos e imagens inspirados no romance. A ação, que integra o programa Família em Foco, promovido pelo IMS-RJ, é voltada para adultos e crianças a partir dos seis anos e começa às 16h.

O acervo da escritora no IMS – que também inclui as carinhosas cartas às irmãs, doadas em 2015 pelo filho de Clarice, Paulo Gurgel Valente – ajudou a construir o site especial que é a mais precisa referência de sua vida e obra. Criado em 2012 pelo instituto, ele reúne bibliografia, comentários detalhados sobre cada livro, comparações de traduções, aulas e palestras sobre a autora, e ficará em breve ainda mais completo, ganhando também um novo layout. “Na internet há muitas coisas soltas, sem contexto, algumas erroneamente atribuídas a Clarice. O site nasceu da necessidade de reunir informações confiáveis”, conta Elizama. “Para nós é muito importante ter esse site cada vez mais rico”.

Entre as novidades estão a atualização da bibliografia; a alimentação mais frequente do  blog; link direto para as cartas da escritora publicadas no  Correio IMS; e a visualização, no Google Maps, de O Rio por Escrito, que destaca lugares da cidade citados na obra de Clarice. Elizama também anuncia outra grande nova para os fãs da autora: o Caderno de Literatura Brasileira dedicado a ela, publicado pelo IMS em 2004 e esgotado há tempos, estará acessível no site em PDF. “Não paramos de receber pedidos dos leitores para ter esse CLB disponibilizado, finalmente agora conseguimos realizar isso”.

Para quem quer mergulhar mais profundamente no universo clariciano, o novo site terá links para os programas da base de dados do IMS: no Cumulus podem ser acessados o resumo e a descrição das cartas (as originais só podem ser pesquisadas no próprio instituto), informações sobre originais de livros e todas as fotografias da escritora; no Sophia estão as informações sobre a biblioteca de Clarice, com registros de seus livros e periódicos.

Ao agregar tantas informações, o site, segundo Eucanaã, pode ser usado de duas formas. “Ele tem duas facetas. O fã de Clarice vai encontrar lá uma navegação fácil, rápida, para achar detalhes biográficos e dos livros. Pode ser uma entrada mais superficial, se ele quiser. Porém também é um site para os pesquisadores. Bibliografia, teses, dissertações, tudo está lá, oferecendo uma visão mais ampla e profunda”.

 

 

Hora de Clarice

Dia 10 de dezembro

Instituto Moreira Salles

Rua Marquês de São Vicente 476, Gávea – Rio de Janeiro

Telefone: 21 3284 7400

 

16h30
Conversa com as tradutoras Katrina Dodson e Paloma Vidal
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Local: Sala de aula.

Entrada gratuita, sujeita à lotação da sala.

 

16h às 18h
Este não é um livro – Porque não é assim que se escreve
 – Atividade educativa promovida pelo Família em Foco.
Número máximo de participantes: 25 pessoas

Entrada gratuita, sujeita à lotação da sala.
Distribuição de senhas 30 minutos antes do evento.

 

18h30

Leitura de cartas de Clarice Lispector – As atrizes Georgiana Góes, Gisele Fróes e Raquel Iantas leem cartas enviadas pela escritora para as irmãs Tania e Elisa. Direção de Bruno Lara Resende.

Local: Auditório
Entrada gratuita, sujeita à lotação da sala.
Distribuição de senhas 30 minutos antes do evento.

 

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A saudade que dói fisicamente: carta de Clarice Lispector para a irmã Tania Kaufmann (1948)